01.05.08 - 04.15h: Dia da Mãe

O primeiro dia de maio é o dia da mãe. Sempre foi. Hoje cumpre 60, teve-me aos 30. Foi uma miúda da aldeia a brincar com as pedras, o pai pastor ausente e a mãe, serva e orfã, que só conheceu a vida de trabalho doméstico e teve de criar seis filhos entre a ceifa, o pão, a lenha, a azeitona, o azeite. Cresceu em tempos de fome mas continuou estudos (e a cheirar o escape da carreira) no colégio de mértola e no magistério em faro. Voltou para a terra, tirou a carta (a primeira mulher do concelho), virou professora, perdeu os longos cabelos em corte à garçone, calçou botas altas, casou com o padre. Exigente e carinhosa, extremos de fúria e uma calma apaziguadora tornam-na deliciosamente bela (até os prazeres no nome).

Um orgulho - apesar do meu quebrar de afecto neste seio, melhorado pelo tempo. Amo-a pelo que gerou, pela forma de educar (claro que também me chateia às vezes – eu já me chateio menos), pelo sacrifício e pelas dores que tem e que toma. Fuma (começou aos vinte como eu e agora queremos parar). É uma viúva serena, isolada no seu palácio cor-de-rosa (“para quê ainda mais casa?”), a pintar, a restaurar mobília (a dança das divisões!), a alimentar os gatos e cultivar uma horta, com o sempre fiel sansão. Amo-a e é das grandes certezas o seu infinito e profundo amor por mim. Muitos Parabéns, Mãe, neste teu dia. No verão ofereço-lhe um lenço fúschia (é assim?).



Ah, também o é do trabalhador, dos sindicatos e outras convenções sociais. Tive dias plenos de mulheres (pretty womans!) que são assim: fazem-se!

29.04.08 - 21.26h: Trio d'Odemira 57/67

Do mundo secreto de peter gabriel, aos duetos nocturnos do frank sinatra, as ilustrações musicais de pintura pelo júlio pereira, os rock-blues ultra-românticos de roy orbison – esta é a actual banda sonora a k7 dos últimos vai-vens. A grande descoberta foram os mariachis alentejanos que cruzaram cancioneiro popular, tradicional alentejano, os hits latinos dos sessenta, rancheras mexicanas (puta coincidência), fado. Estive ano e meio aqui até ao desemprego e pé partido e já depois de sair estas gravações com cinquenta anos vêm parar-me aos ouvidos. E recordo amor, infância no banco de trás com a mãe a cantar as modas da altura, charradas puras...

Aqui vão os títulos: guantanamera; história de um amor; cartas de amor; el reloj; vocês sabem lá; perfídia; alma, coração e vida; ti ana majora; rio mira; ribeira mota; lembra-te ó ana; abalei do alentejo; camiñito; ruega por nosotros; una aventura mas; novo fado da severa; quiereme mucho; ciao amor; malagueña; sol nas minhas mãos; és a minha canção; as minhas mãos nas tuas; beija-me em sakurambô; a praia.

O meu trio de odemira foi este triângulo da vida – as gémeas e eu! As refeições partilhadas (mais na casa do lado, a tratarem de mim), os relatórios diários entre a câmara e a fundação (mais esta última, éramos dois em avalanche), as guerras de poder eternas e a nossa exploração, sempre a fazê-las em paz, a preta nina e a branca frida, adormecer no sofá, conspirarmos os conspiradores, almoços na varanda, cafés nas esplanadas, os Amigos (carlo de aniversário recente, mini, ana, manel, zaida, isabel e quim e rebento). Três copos à espera de vinho.

Orientar sessões de sensibilização para prevenção de toxicodependências em colos e são teotónio – correram bem; viagens com boleia dada e tida, cumprimentos e afectos recebidos pelas paragens pela vila (vizinhas, os homens dos cafés, adultos em reconhecimento de competências, a juventude criativa da região), roseiras em flôr nas esquinas, fôfos de amores-perfeitos nos canteiros pós festança rija de abril, o rio continua a correr suave e luminoso.

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